O coletivo Borderlovers nasceu em França, em 2017, criado por Pedro Amaral e por Ivo Bassanti. No mesmo ano, representou Portugal, a convite do Centro Cultural Português em França, na Semaine des Cultures Étrangères, Festival “La Rue”, FICEP. Depois disso, desenvolveu diversas ações artísticas de celebração de obras e autores, sobretudo lusófonos, frequentemente em exercícios de relacionamento com obras e autores de outras expressões culturais e linguísticas. A partir de 2019, Pedro Amaral assume a curadoria do projeto, transformando-o numa plataforma colaborativa. No âmbito da Temporada Portugal-França, os Borderlovers apresentam “Couples de Rêve / Casais de Sonho”, exposição em digressão por Paris, Crosne, Île de France, Valenton, Yerres, Villeparisis, Lisboa, Porto, Vila de Rei e Tomar.
Juntar casais imaginários, de gerações, de géneros e de dois países diferentes, é sinal de que existem princípios e valores que são transversais?
Quando Victor Hugo, a 2 de julho de 1867, redige e envia ao fundador do Diário de Notícias, Eduardo Coelho, uma carta, em que escreve “está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história”, celebrando e elogiando o pioneirismo de Portugal, como Estado, na abolição da pena de morte, fá-lo em nome da defesa do mais basilar dos direitos humanos: o Direito à Vida.
Deste decorrem não apenas os alicerces para a essencial prerrogativa jurídica da pessoa — motivo pelo qual o Estado tem por dever resguardar a vida humana —, mas também a convicção de que “o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade será proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum” (1). Nesses valores e em todos os outros que daqui decorrem: o direito à igualdade, à saúde e à educação, os valores da democracia e de uma sociedade laica e ecuménica: em Liberté, égalité, fraternité, se encontra a essência dos dois povos e países.
(1) Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948.
Em que se basearam na reunião de cada dupla? O que une cada um destes vultos?
O que une os Casais de Sonho, casais imaginados pelo coletivo artístico Borderlovers, são as suas vidas, os seus percursos, obras e legados. Casados por nós com amor e humor, são equações de fraternidade e amizade entre os povos francês e português. Em campos tão diversificados, como o desporto, a música, o cinema, a literatura ou os direitos humanos, todos eles acrescentaram valores e conquistas luminosas para os seus países, para a Europa e para a Humanidade.
O que dialogariam Simone Segouin e Salgueiro Maia ou Maria de Medeiros e Jean-Luc Godard?
Gostamos de imaginar que Jean-Luc Godard e Maria de Medeiros poderiam passar alguns agradáveis serões a visionar as Histoire(s) du Cinéma da autoria do realizador francês. A conversa seria, portanto “cinema, cinema e cinema”, mas também as vertentes de engagement do mesmo e o seu potencial para a transformação das sociedades e do Mundo. De acordo com a narrativa gráfico-pitcórica da autoria do coletivo Borderlovers, a conversa poderia, ainda, resultar num repto, por parte de Maria de Medeiros, para a rodagem de um documentário, por si realizado, sobre o quotidiano de Jean-Luc Godard nesta fase da sua vida.
Já Simone Segouin e Salgueiro Maia teriam no centro dos seus diálogos um constante recapitular da resistência, da resiliência e das desobediências, como formas de assegurar os caminhos da liberdade, da resistência e da esperança.
No contexto da Temporada Portugal-França, qual é a importância da intervenção do coletivo Borderlovers e de, até Setembro, apresentar esta exposição em diferentes cidades portuguesas?
A nossa proposta de exposição itinerante, ainda assim limitada por condições logísticas e orçamentais, propõe levar a diferentes cidades francesas e portuguesas um conceito plástico destinado a comunicar com ambos os públicos: os artistas estão sempre presentes, durante as vernissages e frequentemente durante o tempo de exposição, aqui, em visitas comentadas, e aproveitam para falar. Em França, das personagens mais esquecidas entre as figuras francesas e sobretudo das pouco conhecidas figuras portuguesas. Em Portugal, o coletivo fará o simetricamente oposto, certo que serão sempre relacionados, elogiados e enaltecidos os contributos para os seus países, para a Europa e para o Mundo, de todos os membros dos casais imaginários e sempre celebrados os múltiplos pontos de encontro e laços de amizade entre os dois povos: lusitano e gaulês.
O coletivo Borderlovers é amante das fronteiras ou quer vê-las derrubadas?
Há uma relação simbólica e espiritual muito forte, desde a sua génese, em França, em 2017, do coletivo Borderlovers com o episódio da Trégua de Natal, na Flandres, em dezembro de 1914, quando em armistício informal as tropas alemãs e aliadas depuseram as armas para confraternizar: trocaram cigarros, chocolates e prendas, jogaram futebol e sepultaram, juntos, os seus mortos. Todas as guerras e fronteiras deviam ter terminado aí e é aí nessa intemporal terra de ninguém que o Borderlovers tem o seu atelier espiritual. Amantes numa terra de ninguém.
Foto: © Sibila Lind
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