Que balanço faz desde a primeira edição, em 2009, do festival TODOS – Caminhadas da Cultura até agora?
Penso que podemos considerar que o TODOS é um sucesso, face aos objetivos a que se tem proposto de, através das artes contemporâneas, sensibilizar os lisboetas para a importância do valor da interculturalidade. Podemos afirmar que o TODOS já faz parte da agenda cultural e sociocultural da cidade, continuando a manter alguma discrição, interessado que está em projetar e valorizar mais as pessoas de diversas culturas e origens, e as suas relações interpessoais, do que afirmar, só por si, a marca do festival.
É, pois, um projeto discreto, mas reconhecido publicamente, ao serviço das necessidades de desenvolvimento sociocultural das pessoas, atento às suas diversas velocidades, estimulando a incorporação da interculturalidade como parte desse desenvolvimento — e com impactos sociais, culturais, económicos e políticos. Nesse sentido, continuamos a desenvolver um trabalho de proximidade cultural, bairro a bairro, reinventando-nos a cada três anos, quando mudamos de bairro, ao serviço das associações locais, das escolas, dos moradores e dos comerciantes.
Estimulando a visita de populações exógenas a territórios, muitas vezes, improváveis; valorizando sentimentos de pertença e de auto estima, vizinhança e solidariedade; questionando a relação periferia-centro; provocando e acelerando o desenho e construção de novos projetos artísticos e culturais, quer de criação, quer de fruição, das artes, do património e do espaço público, que se quer mais partilhado e seguro; contextualizando oportunidades de trabalho, revitalizando territórios abandonados, o comércio local, os espaços culturais e artísticos, o TODOS – Caminhada de Culturas alavanca oportunidades de desenvolvimento para a cidade. Estes resultados, materiais e tangíveis, coexistem com outros resultados intangíveis e comportamentais, como a sensibilização para a denúncia e abandono de comportamentos e práticas racistas ou xenófobas, violência doméstica, perseguição religiosa, descriminação de género ou de orientação sexual, abandono escolar, exploração económica, etc. Enfim, o capital de confiança que o TODOS trabalha e procura instalar facilita o trabalho em rede entre diversos agentes locais, dimensão indispensável ao desenvolvimento e que nos parece ser um importante resultado do nosso trabalho.
“Lisboa Crossing” é um projeto com o carimbo da Temporada Portugal-França, integrado na programação da edição de 2022 do festival TODOS. Para si, o que significa a ponte entre estas duas entidades? Considera que a Temporada contribui para reforçar os laços de programação entre Portugal e França? No seu caso, abre ou amplia perspetivas de trabalho futuras?
Penso que esta parceria é de extrema importância, muito facilitadora da criação, ou consolidação, quer de relações entre agentes culturais e artísticos, quer de projetos culturais e sociais, entre ambos os países. No nosso caso abre uma oportunidade de diálogo com diversos artistas e programadores franceses, promissor de colaborações futuras para lá daquela que já concretizamos em 2022, e servindo também para divulgar o nosso festival e a nossa metodologia de trabalho em França.
De que forma o projeto da dupla boijeot.renauld, que vem celebrar a interculturalidade da cidade de Lisboa, se identifica com a mensagem transmitida pelo festival TODOS?
Como provocadores sociais e políticos, os ativistas boijeot.renauld vão ocupar e viver em algumas ruas de Lisboa, aproximar-se de um modo imprevisto e surpreendente dos moradores dessas ruas, aguçando a perplexidade e a curiosidade dos mesmos. Ao ocupar a rua e ao transformá-la num espaço performativo inesperado, questionam-se as fronteiras de espaço público e de espaço privado e até íntimo (eles vivem literalmente na rua durante 13 dias). Reivindica-se a rua como espaço de todos e para todos, combatendo a ideia de guetos e estimulando convívios improváveis entre pessoas. Ao percorrer 7 km da cidade desde uma zona central e nobre – O Campo Pequeno –, até uma zona periférica e ignorada pelos lisboetas – o Largo das Galinheiras —, convoca-se a opinião pública a refletir sobre a forma como o espaço público tem ou não servido para a inclusão ou para a marginalização, como abrimos ou não as nossas casas a quem chega de fora, ou está fora. A proposta confronta os discursos com as práticas: até onde sou capaz de abrir a minha casa? Até que ponto sou capaz de viver em comunidade? Como, quando e por que cheguei àquele bairro? Como comunicarei quando não falamos a mesma língua?
“Lisboa Crossing” é, afinal, uma provocação sobre a nossa travessia individual de vida, na relação com os outros cujas travessias, muitas vezes, começaram bem mais longe, em continentes bem distantes. “Lisboa Crossing” é tão só uma parte de um World Crossing — que não controlamos, mas para o qual nos devemos preparar.
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